Depressão Pós Parto – As dores de se tornar mãe
Este texto nasce do intuito de compreendermos um pouco mais o que acontece com a gente na pele de mãe, também na fase em que éramos bebes e, além disso, para entendermos um pouco melhor nossas próprias mães em seus acertos e nas suas humanas falhas.
O resultado desta compreensão ajudará a nos libertarmos de antigos ressentimentos da fase em que ainda éramos muito pequenas para compreendê-los, mesmo assim, e talvez por isso mesmo, estas antigas mágoas enraizaram-se em nossa personalidade impedindo uma relação com a vida e com nosso futuro recém-nascido filho de forma mais livre, saudável e feliz.
Portanto, dedico este texto a todas as mulheres que são mães, assim como também àquelas que estão a caminho de ser mãe e, além disso, para as que nasceram de uma mãe, de tal modo, este texto é dedicado à todas as mulheres.
Dar a luz é a expressão que se usa para nomear o ato de parir e não é a toa que tal expressão foi escolhida para designar esta ação uma vez que os nomes que damos às coisas são carregados de significados. Pensando sobre a origem da expressão – dar a luz – podemos presumir várias possibilidades dentre as quais que se a mulher deu a luz, a luz saiu de dentro dela e consequentemente seu interior ficou sombrio. Esta primeira versão de dar a luz condiz com a dor que sentimos quando algo sai psiquicamente e emocionalmente de dentro de nós, como exemplo podemos pensar que é comum dizermos que quando o amor acabou a sensação é que algo foi arrancado de nós. Assim, dar a luz alude às perdas que uma mulher tem ao parir: Quando o bebe sai de dentro da mãe ela perde o status de gravida, que por mais pesada que a sua barriga seja é uma maneira privilegiada de estar no mundo, na qual a imagem da gravida ao olhar-se nos olhos dos outros se enxerga como alguém revestida de ternura, cuidado, admiração e esperança, já que ela carrega o futuro dentro de si.
Além da perda de ser vista como gravida aos olhos alheios, a mulher que dá a luz e, portanto deixa de estar gravida perde o estado de gestante para si mesma e junto com isso perde também a alegria da expectativa do nascimento – Esperar é uma palavra intimamente relacionada com esperança, e quando nasce um bebe a esperança do nascimento desmancha-se. Em vez disso, a parturiente entra em contato com a difícil realidade que é cuidar das necessidades de um recém-nascido.
Antes disso, quando o nenê ainda estava dentro da sua barriga a própria existência da futura mamãe dava conta de garantir todas s necessidades do bebê: oxigenação, alimentação, bem estar, etc. Ela era suficiente para a vida que carregava em si, sentia a sua potencia a flor da pele porque a mulher gravida sente-se poderosa já que pôde engravidar, confirmou para si que possui capacidade e recurso para reprodução e a manutenção de seu bebê dentro de si.
Finalmente, o bebê nasce, mas isto não significa que esta mulher já se transformou automaticamente numa mãe. O ato de parir não transforma uma mulher em mãe assim como num passe de mágica, mas o ato de dar à luz lança a mulher neste lugar. E o que acontece? O bebe chora e a mãe não dá conta deste choro e cai do estado de onipotência (suficiente e capaz durante a gravidez) para o de impotência. Por quê? Em sua imaginação ela idealizou se tornar uma mãe maravilhosa e ter um filhinho perfeito, e na realidade não é nada disso o que acontece. O bebê real não condiz com o bebê que foi idealizado. Ele chora, esperneia, acorda a mãe e lhe machuca o seio para mamar. E a mãe por sua vez também não corresponde com a mãe que foi por ela mesma idealizada. Na fantasia ela teria muita calma, seria paciente, estaria sempre disponível, mas na realidade ela perde a calma, fica nervosa e muitas vezes não está nem um pouco disponível. É por isso que o bebe muitas vezes faz a mãe sentir-se péssima consigo mesma, faz a mãe odiar-se e faz com que ela o odeie por fazê-la odiar a si mesma.
O ato de dar a luz faz com que de repente bem antes do tempo necessário para a mãe madurar a ideia de existir para outro além de viver para si, de uma hora para outra, ser, existir e viver para si mesma não faz mais sentido, ela precisa doar-se para outro que inicialmente é um pequeno desconhecido que chora, exige e cobra. Talvez você tenha ficado abalada com o termo que usei “pequeno desconhecido”, então vou me explicar melhor: o amor entre uma mãe e seu bebê é construído no dia-dia e requer tempo porque amar é um processo de construção. A recém-mãe precisa se doar para um bebezinho pequenino que pode até ser fofo, mas ela ainda não desenvolveu a capacidade de ama-lo tanto quanto é necessário doar-se e cuja existência deste faz com que ela se sinta pressionada e este recém-nascido a acusa sem palavras, porém, de uma forma bem mais intensa, por meio da comunicação emocional, que esta que lhe deu a vida é péssima pessoa quando não atende as suas necessidades. E meu Deus como é difícil atender as necessidades de um recém-nascido!
Um recém-nascido chora porque tudo é novo, assustador e difícil. Antes de nascer vivia dentro da barriga da mamãe, na agua quentinha e gostosa, não sentia fome, frio ou calor, não precisava respirar, suas necessidades eram atendidas antes dele as perceber. Agora seus pequeninos órgãos precisam se adaptar a nova e dura realidade da vida: O intestino necessita evacuar, o estomago digerir, o pulmão respirar. O bebê antes de nascer estava totalmente imerso no liquido amniótico e por isso não conhecia os limites do eu-não eu, também não precisava lidar com fronteiras porque bebê e mamãe eram um só. Quanto sofrimento é nascer. O choro desesperado muitas vezes conta esta história de medo e profundo desamparo que cada recém-nascido vive com maior ou menor intensidade. Um recém-nascido sofre com a constante sensação de estar caindo num abismo – Daí o reflexo de Moro. E nem sempre quando a mãe o pega no colo numa desesperada tentativa de juntar-lhe os pedaços ela consegue, porque os próprios pedaços da recém-mamãe também estão desconjuntados. Ela precisa aprender a viver como mamãe da mesma maneira que o bebe necessita aprender a viver.
Parece que trago tudo isto à baila para piorar a situação que já não deve estar fácil se você vive a depressão pós-parto ou algo parecido com isto. Mas, na realidade não sou assim tão sádica e, portanto, trago estas ideias à consciência com a intensão de que você saiba que tudo o que vive de árduo e penoso como recém-mãe é natural. Saiba que a sua mãe também passou por tudo isto, assim como a sua avó, sua bisavó…
É por estas e outras que tristes histórias de mães como esta que recentemente surgiu na mídia contando que a mãe colocou veneno para carrapato na mamadeira do filho e outra mãe que abandonou a nenê no supermercado, mães que abandonam seus rebentos em latas de lixo, em rios e por ai vai, recheiam todos os dias as paginas dos jornais.
Quando a mulher se torna mãe pode vir à tona o resgate do próprio abandono e a necessidade de vingança, porque a mulher revive suas tragédias pessoais da fase quando ela própria fora um bebê. Este artigo além de elucidar as dificuldades em se tornar mãe também é um apelo às autoridades que se ocupam da saúde publica para que se preocupem em oferecer apoio psicológico as recém-mamães, pois este serviço é tão necessário quanto do medico para realizar o parto.
Sem sustentação psicológica as mães não encontram forças para sustentar a constituição física, emocional e psicológica saudável de seus bebês e acabam cometendo crimes contra seus rebentos ou criam filhos que futuramente podem cometer graves delitos contra seus próprios nenês e isto se torna um circulo vicioso formado de negligencias e maus tratos transmitidos de geração em geração, porque é muito difícil dar o que não se recebeu.
Os jornais divulgam o resultado dos atos criminosos das mães que deixaram o ódio tomarem conta delas por falta de amparo psíquico e emocional e por falta do registro de uma boa mãe que cuidasse delas com amor quando elas por sua vez também eram apenas inocentes bebês.
Por fim esclareço que o grande vilão dos atentados cometido pelas mãos das mães contra seus bebês é o sofrimento da recém-mamãe. Este que é o maior, o principal, o real e o verdadeiro criminoso pelo ato de barbárie cometido contra os recém-nascidos não é divulgado na mídia. Afinal como diz com grande sabedoria o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda “A dor da gente não sai no jornal”.
Léa Michaan – Sou psicanalista e autora do livro Maly – romance – Superação em forma de ficção.
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